segunda-feira, 8 de agosto de 2005

Presente

Levantou-se cedo, como fazia sempre, independente do horário em q fosse deitar. Sozinha, caminhou preguiçosamente até a varanda, puxando as cortinas. À sua frente, o mar. Respirou o sal q subia, deixou q os cabelos ventassem ao sabor da brisa marinha. Olhou para os lados, certificando-se de sua solidão. Então, deu um giro sobre si mesma, na ponta dos pés e sorriu.
Rapidamente, porém, dissipou-se o desenho do rosto, e fez-se mar em seus olhos. Encostou-se à parede e deixou q o corpo deslizasse, frouxo, até ver-se sentada no chão frio de ladrilho...
Tanto, já! Embora percebesse a pilha de tempo amontoando-se ao pé da cama, junto aos livros, não o vira passar. Não vira, e se houvesse visto, não permitiria q passasse assim.
Correndo.
Apressado.
Num sopro.
Qual o sopro da brisa do mar balançando seus cabelos. Num suspiro, desejou poder voltar atrás, para quem sabe, realizar o q o tempo não deixara. Repassou mentalmente todos os sonhos projetados para o futuro q se fazia presente.
Não fora à Europa. Não se casara. Não dirigia, não nadava, não aprendera matemática. Não tinha filhos, não adotara algum, não era diretora de um orfanato. Não terminara a pintura na parede de seu quarto, não fizera poesia, não chegara a bordar um quadro para a sala. Não fizera teatro, não escrevera um livro, não aprendera a cavalgar, não se perdera em uma ilha. Não comprara uma casa só dela, não, não era desenhista, não abrira uma confeitaria, nem era proprietária de um sebo, não pesquisara sobre a cidade. Não falava outros idiomas, não lera metade do que podia, não encontrara o príncipe encantado, não havia visitado um castelo, não entendia japonês, não se tornara atriz, não conseguira fazer um bolo de quinze andares, não aprendera a se organizar, não tocava nenhum instrumento, não não não nãonão...
Enxugou uma última lágrima teimosa, q dançava quase zombeteira, caindo sobre todos os nãos acumulados. Levantou o rosto desafiando a gota q descera. E observou o mar avançado e voltando sobre a areia. Todo aquele tempo, e o mar sempre o mesmo. Avançando e recuando, sobre a areia.
Ergueu-se. Ao lado da pilha de tempo, pousou a pilha de nãos. Trancou-as, juntas, dentro da caixa de madeira, e com alguma pressa e esforço, carregou-a até a porta. Precisava fazer tudo antes q os outros chegassem, impedindo-a. Com a caixa sobre os ombros, correu até a praia vazia. Ali, abriu uma cova funda, onde depositou a caixa do tempo passado e todos os seus nãos. Enterrou-a com cuidado.
As águas do mar, dançando, avançavam e recuavam sobre a areia. Correu pela praia, esquecendo-se o lugar onde escondera seus nãos. Enfim, parou um instante, cansada, observando o mar.
A água, avançando sobre a areia, beijou-lhe os pés, trazendo o presente. E recuou, de volta ao mar.
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Queridos, agradeço a todos pela festinha surpresa q me prepararam. Não tinha uma dessas, tão agitada e divertida desde os oito anos! Adorei ver todos vcs e todos os outros reunidos, apesar do desperdício de salgadinhos...