segunda-feira, 27 de junho de 2005

Retalhos

Completamente sem tempo, devido a mais um final de semestre cheio de trabalhos, provas, planejamentos e correções, deixo para meus queridos alunos e visitantes um texto fresquinho, fresquinho. Foi escrito para apresentar ao professor de Literatura Portuguesa, como síntese de suas (loucas) aulas. Vejam aí o que saiu, e se quiserem, tentem entender. Eu mesma, não entendi nada!

Retalhos

"Começava seu trabalho cada dia mais tarde. As estrelas há muito já haviam despontado no céu, e a lua, devaneio do sol, clareava a escuridão da noite. Sentada em frente à janela, tomou linha e agulha, e mais uma vez, pôs-se a cerzir.
Os livros, abandonados sobre a prateleira mais alta, denunciavam sua recente decisão: não lia mais; abandonava o mundo dos sonhos para viver fora deles. Viver, era somente o que queria.
Pegou do primeiro retalho, retirando-o às escuras de dentro do cesto. Tampouco se preocupou com a cor do segundo ou do terceiro pedaço de pano, ocupando-se apenas em unir fortemente uma ponta do tecido à outra. No início, ela mesma não acreditava ser capaz de fazê-lo. Embora parecesse um trabalho bem simples, desde cedo sentira dificuldade em combinar retalho com retalho, e tinha medo de errar. Até convencer-se de que errar era tudo a fazer. Tentar errar era a única possibilidade. Se não conhecia o acerto; se não havia o quê acertar.
Ler, já não lia mais. Pensava haver descoberto, enfim, a razão de seus tormentos. Entremeada em meio às letras sobre o papel, escondera-se durante toda a vida, acreditando viver. E vivendo assim, não vivia. Ou vivera tão intensamente que se tornara incapaz de distinguir vida e sonho.
Agora, apenas tecia. Tecia, e lançava um olhar desconfiado onde encontrava um pontinho solto. Desfazia então toda a costura, até voltar à falha cometida, puxando naquele espaço a linha com um pouco mais de firmeza.
Puxão ressentido, severo. Como o olhar que lançava aos livros, presos sobre a prateleira mais alta.
Puxava firmemente a linha da cor de suas idéias, que descoloridas, tomavam emprestadas as cores que bem entendiam. Azul, cor do céu que ela já não via, concentrada em seu trabalho noturno. Linha negra, tal a noite escura que a envolvia, amarela, como o dia. E ela, ocupada, apenas unia retalhos e puxava a linha onde encontrava pontos soltos ou falhos. Lá de cima, os livros confessavam, em seu silêncio, toda a culpa. E por castigo estavam ali, impedidos de interromper mais vida. Impedidos de sonhos ou devaneios. Impedidos. E confessavam, silenciosamente, sua culpa. E ela tecia.
Com fios fortes, tecia um retalho a outro, sem escolher cor, sem procurar tecido. Só tecia. E na certeza de entender bem como costurar seus retalhos, sentia-se senhora de seu tear como jamais se sentira senhora de algo antes. Ali, diante de seu trabalho, acreditava reinar sozinha. E por isso, para isso, condenara os livros à prateleira mais alta e distante, tentando torná-los longe de sua vida. Para reinando, viver.
Dona de suas idéias perdidas, de seus sonhos e devaneios. Tecendo, prendia-os todos, mal nasciam, por entre as dobras de tecido com que compunha seu trabalho, de onde não os deixaria jamais sair. Reinava, mantendo-os presos, como mantinha os livros sobre a prateleira mais alta.
E foi de repente, no cerzir de um retalho, que aconteceu. E ela não saberia dizer como ou quando foi. Nasceu pequeno, bem como nascem as pessoas, escondido entre os pontos falhos da costura. E por mais que ela puxasse a linha, não conseguia fazê-lo sumir. O ponto solto não se acertava, a linha afrouxava contra a vontade da costureira.
Lançando à prateleira mais alta um olhar perdido, considerou seu passado. Pensando, se houvera erro em viver, ou se o erro era viver assim. A idéia encheu-a de espanto. De onde lhe vinham tais idéias, tão fortes que não as conseguia prender nas dobras da costura? De onde vinham, se não pensava, se apenas tecia?! Se apenas unia retalho a retalho, escondendo qualquer idéia que pudesse atrapalhar seu trabalho.
O sol, ainda há pouco morto, já implorava às estrelas que o deixassem ressuscitar. E a moça, silenciosamente juntava seu retalhos. Cuidava, desperta em meio à noite fechada, daquilo que pensava. Decidida a viver fora dos sonhos e senhora deles, mantinha-se acordada. E olhando para os livros, estranhou o sossego reinante sobre a prateleira mais alta. Tramavam algo.
Ela, eles, no silêncio do quarto, na escuridão enevoenta da madrugada. Fria madrugada, durante a qual mesmo as estrelas dormiam. E ela guardava, entre sonho e vigília, um sonho que tivera e que era sombra de sonhar. Pensou , sem querer pensar, no trabalho que fazia. Colecionadora de retalhos, unia-os numa tentativa errante de jamais perdê-los. Pensando, admitiu também ela, em silêncio, sua culpa. Roubava. Aqui e ali, recolhera os retalhos que agora unia, furtando-os para si. Para seu trabalho. Fazendo-os seus, embora soubesse que não eram. E era assim, entre sonho e vigília, que tomava da linha sem cor e costurava seus retalhos. E a linha, tomava então a cor dos pensamentos que ela não sentia. Que insistiam em ser pensados, embora estivessem - ela pensava - presos, sobre a prateleira mais alta.
Depois de nove ou dez noites, compreendeu com amargura, não ser ela quem reunia os retalhos. Uniam-se eles sozinhos, senhores de si, escolhendo a ordem ou posição que deveriam tomar. A ela, cabia apenas puxar a linha descolorida, cor de seus pensamentos, algumas vezes descobrindo os pontos falhos que, apesar de sua insistência, teimavam e permaneciam nas rugas da costura. Ela não pensava, pensava. Não pensava, pois os mantinha sempre presos. Eles, fechados, condenados à prateleira mais alta, fingiam não pensar também. Mentiam todos, eles e ela. E os retalhos. E a linha descolorida que tomava cor, ainda que ela não notasse. Mentiam todos. Mentira pesada, que sustentava o tecer.
E sustentava, noite após noite, os sonhos que a moça não sabia sonhar. Aqueles sonhos que, vigiando para que não tomassem forma e vida, sonhava sobre os sonhos de ontem, tecendo - como os retalhos - o sonho que sonharia amanhã. Que sonhava, todas as noites. Vigiava, pois não queria sonhar para que seus sonhos, uma vez vivos, não fugissem.
E foi no fazer do último nó do último ponto, fechando enfim sua reunião de retalhos, que ouviu, sabe-se lá vinda de onde, a pergunta que sem saber, ela mesma imaginara.
"Retalho a retalho, quem tece, quem teceu?"
Num sopro, temerosa por interromper o silêncio de madrugada com o qual a madrugada a envolvia, murmurou apenas.
"Eu."
A palavra ecoou pelo quarto escuro. Livre a palavra, libertaram-se os livros da prateleira mais alta, voando todos em torno dela, quais morcegos despertos. Até pousarem, um a um, sobre a colcha de retalhos tecidos pela cor de suas idéias.
Sentindo que nascia o sol, se cobriu.
E adormeceu sob os retalhos."

sábado, 18 de junho de 2005

Novidades

Mais novidades nesta data especial!!!

"Novidades? Data especial?" Perguntam-se todos. "Essa professora é mesmo muito maluquinha!", exclamam, balançando a cabeça.... É, muito, muito maluquinha e sempre antenada em datas virtualmente importantes. (As importantes na vida real, às vezes passam desapercebidas...) Como tooooooodos vcs devem ter notado, estamos completando mais um mês da chegada de Anônimo, o Primeiro. Aquele que segurou a professora quando ela já ia desabando pela janela abaixo. São dois meses de blog animado, posts fresquinhos, chat-blogger, perdição de tempo e muitas surpresas virtuais. Neste meio tempo, mudamos o visual e acolhemos novos amigos...
Em homenagem à esta data virtualmente I-N-E-S-Q-U-E-C-Í-V-E-L (ai, é difícil escrever assim!), tenho a honra inestímavel e o maior prazer em lhes apresentar a nova seção Cantinho da Leitura. O Cantinho é uma prateleira grande e colorida pendurada num cantinho da nossa sala, onde a professora vai, aos poucos, montando uma seletíssima biblioteca. ("Ohhhhhhh!!!", exclamam os alunos admirados.)


Toda semana, se possível, trarei uma novidade para nosso cantinho; assim, mesmo que eu não tenha tempo para pôr um texto novo, pelo menos o livro nosso de cada semana não nos faltará. Como já devem ter notado (meus alunos são todos muito muito inteligentes), clicando sobre a capa do livro vcs estarão diretamente na página de uma livraria, onde poderão comprar o livro de vcs também... (Não, não recebo pra isso, embora esteja pensando em cobrar pela propaganda.) Sob a figura, fiz uma brevíssima e atrapalhada resenha do romance, seguida por um trecho que, por qq motivo - mesmo o acaso - me agradou.

Comecei com Thomas Mann não por gostar mais dele ou do romance, mas simplesmente por ter terminado de ler o livro na semana passada. Pretendo seguir sempre esta idéia, colocando no Cantinho o livro que estou lendo ou q li mais recentemente. Claro que de vez em quando, vou trazer um da minha lista de prediletos. Eles também estão doidos pra conhecer vcs!!!
E isso é tudo, crianças! Espero q gostem da pequena surpresa... Espero tbm que, depois de se ver lembrado, o meu caríssimo Anônimo volte correndo para a sala de aula - evasão escolar é uma coisa muito triste! Muito obrigada a todos (seja lá quem são vcs!) por sua inenarrável presença! Espero, daqui há algum tempo, poder fazer a edição comemorativa de 1 ano com a mesma animação de agora. Conto com vcs! Todo professor precisa do entusiasmo de seus alunos para funcionar! Agora preciso ir.. A professora está se atrasando para a festa junina do Colégio Cruzeiro...


Até!!!
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P.S. Quem já leu o livro ou tiver qq coisa a dizer sobre ele, não deixe de comentar! Lembrem-se:Vale ponto na média!!!

sábado, 11 de junho de 2005

E por falar em nomes...



(Uau! Notaram o estilo quase acadêmico?:P He, cansei...)


Dia desses estávamos falando sobre nomes e sobrenomes (gostei disso..) durante a aula. Como este tema também já foi comentado aqui, por Anônimos e meninos de nomes exóticos, achei q era hora de se falar no assunto. Na minha salinha, inventei de fazer uma carteira de identidade (de cartolina mimeografada) para cada aluno, e comprei um cd do Toquinho com a música "Gente tem sobrenome" (aliás, com músicas muito bonitinhas. Não conhecia o alfabeto do Toquinho...).


Logicamente, falamos sobre o nome dos pais de cada um, sobre o motivo da escolha de cada nome e por aí afora... Daí, lembrei-me de um ou outro caso acontecido na escola, que ouvi de alguma professora logo quando comecei a trabalhar. Conta-se, que certo dia apareceu uma avó muito indignada na escola, por causa das notas baixas do neto. Pediu pra falar com a professora do Fábio Júnior (não o cantor, e sim o aluno :P) E lá foi a secretária, tentar descobrir de que turma era o tal menino. (é, é assim mesmo... A maioria dos irresponsáveis não sabe a turma e a professora de seus filhos... )


Depois de muita busca, informaram à avó de que não havia nenhum Fábio Junior matriculado na escola. Ela, mais que depressa, pôs-se a descrever o menino e contou um ou dois casos entre os que ele já aprontara na escola.... "Mas minha senhora..." Contestou a secretária "Este aluno se chama Roberto Carlos!" "O quêêê?!" E a avó, apertava a cintura com as mãos, entre surpresa e indignada. "Ah, bem q eu imaginava que o mentiroso do pai dele não tinha colocado o nome que eu pedi..." E a mulher voltou pra casa, jurando vingança contra o genro (ou filho, sei lá...) Se todas as histórias fossem simplesmente engraçadas, seria ótimo. Mas houve uma vez em que a mãe, vindo matricular o filho caçula, Marlom, perguntou à secretária o sobrenome da criança mais velha, que já estudava lá há alguns anos. "Juan Da Silva Rodrigues." Responde a secretária, solícita. "Ahhh! Obrigada, viu?"Agradeceu a mãe, enquanto se explicava "É que estava em dúvida se o Juan era filho do pai do Marlon também, ou não..." Não era... Nem o Marlom, nem o Jéferson, nem o Bredi. A mãe simplesmente não tinha mais certeza de quem era o pai de cada filho...


Pode?! E tendo falado em nomes próprios (Tais como Bredi), acho incrível a quantidade de alunos com nomes "estrangeiros" que nos aparecem. Cada dia me cai um mais interessante em mãos... Como deixar de citar o Uberlam? O Maicom Jeckinsom? O Miller? E o surpreendente Benhur Leonardo?! E ñ podemos esquecer o Rerissom. Quem?! Ora, o Rerissom, professora! Daquele ator do Indiana Jones... Rerissom For! (Vão dizer q ñ o conhecem?) Todos exemplos vivos de criatividade... (Haja criatividade para se escrever desse jeito!)


Este ano, temos uma menininha que, ao ser chamada pela professora: "Nathally", emenda com um "Nathally Brenda, tia!" Sim, façam o favor de chamá-la pelo nome completo! Entre os melhores casos com nomes femininos, temos uma que se chamava "Tebesthilda". Eu não a conheci, mas reza a lenda, que era exatamente assim. Como a menina reclamava, dizendo que a professora não sabia falar o nome dela direito, o pai foi chamado à escola. "Não, professora! A senhora não fala o nome direito por que é inglês!" E explicou , rindo do pouco conhecimento acerca de línguas estrangeiras, por parte de uma professora: "A mãe dela era Hilda, igual à avó. Ela também é Hilda, mas é a melhor de todas..." Muito lógico, não é verdade?


Isso, sem falar nos casos de combinãções tristes e infelizes... Já aconteceu de uma professora, em uma reunião com os pais responsáveis por sua turminha de jardim (E.I, prézinho ou como vcs quiserem chamar...), ao ler mecanicamente o nome de seus novos alunos, chamar pela mãe do "Davi Adão"... Infeliz cacofonia, que provocou risos e deixou a mãe constrangida. E houve a Ângela, que em todos os documentos era Ângela, mas que no dia-a-dia, era chamada de Isabel... "Professora, A Bebel tá se comportando bem?" "Quem?!" "A Isabel, professora!" "Mas não tenho nenhuma Isabel na sala, minha senhora!" E a mãe, depois de pensar um pouco: "Ah, é, desculpa... É que eu queria Isabel, mas o pai registrou Ângela. Se a senhora quiser, pode chamar de Isabel tbm, é assim que os amigos chamam..." E um caso parecido, o do Wagner, que era chamado sempre de Júnior pela família. Mas que não tinha Júnior no próprio nome... Todos os dias, me dizia que ia trocar de nome, que achava Wagner muito feio... Nunca o fez, até pq não chegou ainda aos 8 anos de idade, mas só imaginem como fica a criança, em plena fase de construção da identidade...


Identidade?! Hum, melhor não imaginar nada... Já temos identidades secretamente perdidas o bastante pelo blog...

domingo, 5 de junho de 2005

No quadro


Notem, caros alunos, o nome do menino que recusou-se a responder à uma pergunta da professora. Ele está de castigo, e serei obrigada a conversar com o responsável dele ( A Mãe do Anônimo, claro, como poderia ser outra pessoa?!) na hora da saída... Nunca façam como ele, crianças! Devemos sempre contar tuuudo às nossas professoras, especialmente quando elas são maluquinhas!

Atenção: A letrinha do quadro é, obviamente, de uma das aluninhas recém alfabetizadas, dessas que adoram dizer: "-Tiiiia! Deixa eu escrever no quadro?!"

Você não havia acreditado na professora, não é, Anônimo?! Ora...

sábado, 4 de junho de 2005

"Uma formiguinha atravessa, em diagonal, a página ainda em branco.
Mas ele, naquela noite, não escreveu nada.
Para quê?
Se por ali já havia passado o frêmito e o mistério da vida..."


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Um pouco de Quintana, na falta de tempo... (Só tempo, idéias não faltam nunca...) Para que meus Anônimos não fiquem sozinhos.