Perdida em alguma lembrança, encontramos a menina de fino laço lilás nos cabelos.
Está à janela, perigosamente debruçada sobre o peitoril, sem se importar com a altura até o chão.
Seria um tombo e tanto.
Distanciara-se da janela há muito tempo. Não por mágoas, não por distração, não por tristeza. Talvez até pelo contrário.
Havia, sim, algum medo de machucar o vento ou os pássaros que cantaram, sempre, em seus dias mais tristes. Que eles perdoassem sua ausência,embora nem merecesse perdão, talvez. Era tão feliz, que não merececeria mesmo, perdão algum.
É verdade que já acreditara-se antes encantada. Mas encanto algum até então, fora capaz de distanciá-la tanto e tão intensamente da janela, do vento, dos pássaros, dos palácios e das estrelas que amava. Acreditava-se mesmo presa e dependente da janela e do peitoril. Até o Encanto.
Encanto algum fora como aquele.
Desta vez, o Encanto era forte e constante. O Encanto sussurrava-lhe palavras suaves e cobria-a de beijos. O Encanto tomava-a nos braços seguros e caminhava ao seu lado. Braços fortes e cheios de carinho. E de encanto.
Encanto algum fizera tão linda promessa sem palavras - porque palavra nenhuma diria tanto. Encanto algum tivera, jamais, aqueles olhos insistentes e calmos. Calmos e pacientes. Pacientes e limpos. E lindos!
A vida inteira tivera medo de encantos desse gênero. Encantos fortes e irresistíveis, quase feitiços, como não temê-los? Desejava-os, sim, mas temia. Temia a efemeridade dos encantamentos. Temia as artimanhas, temia -uma vez encantada- perder o controle e não ser mais senhora de si. Ela, que sempre orgulhara-se de ser senhora. Mas deste Encanto, não tinha medo. Apenas certeza.
Volta à janela e de lá, observa-se à distância.
Está no jardim. De tão florido, inebria-se de perfume. Caminha como sonolenta, como adormecida, apenas caminha, tonta de alegria e deleite, seguindo o Encanto. Completamente encantada. Embriagada de encanto. O Encanto é seu senhor, e é ela, a sua senhora. Guiam-se, encantados um com o outro, caindo e atropelando flores, entre risos altos e indiscretos.
Como em sonhos felizes em que nos despertam na melhor parte.
Que jamais a acordem, é tudo o que pede às estrelas.
Um comentário:
Estrelas, ventos e pássaros... até mesmo pessoas... podem ser vivazes o suficiente para saberem que ninguém deve ficar eternamente à janela. Nem ternamente, quando as folhas folheiam, os botões botoneiam, as pétalas petaleiam, as sépalas sepaleiam e as flores floreiam. Se comportam estranhamente, é verdade: flutuam por aí meio comportados e na ponta dos pés para não acordar ninguém, mas perdoam, perdoam, perdoam...
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