Já publiquei aqui este texto, na Páscoa de 2008, quando eu ainda escrevia com certa frequência. Hoje, dia de Páscoa, pouco antes de sair para o almoço na casa da vovó (lá onde mora a cristaleira dessa história), reencontrei-o por acaso, pesquisando outros documentos nas minhas pastas.
Reli e ainda gosto dele. E agora, com FaceBook, o exto vai chegar mais longe! ;)
Feliz e Santa Páscoa a todos!
*
Páscoa
As crianças passavam a Semana Santa observando o movimento dos ovos que chegavam. Era a mãe, vinda do supermercado, a sacola cheia de ovos de chocolates. O pai que trazia e levava caixas de bombons para o trabalho. A madrinha que aparecia, depois de tanto tempo, com um beijo e um chocolate para cada um. E vovó com os coelhinhos. E tios e primos e amigos e chocolates.
E a grande cristaleira de madeira, no meio da sala, cada vez maior e mais gorda.
As crianças esqueciam dos brinquedos e sentavam-se diante dela. Acompanhavam, maravilhados, o milagre dos chocolates que chegavam continuamente.
-Um, dois, três...
-Tem mais um aqui.
-Mamãe pôs mais um hj à tarde.
E contavam e recontavam chocolates. A chave guardada no bolso da mãe, os olhinhos doces implorando em silêncio.
Não tinham permissão para provar nem unzinho antes da Páscoa. Na Semana Santa não havia cristão que convencesse mamãe a liberar chocolates.
Não, meus filhos! Um pequeno sacrifício: Jesus morreu na Cruz por nós!
E as crianças observavam a enorme cristaleira no meio da sala e perguntavam-se pq é q Jesus foi morrer justo na semana em que chegavam os chocolates. Lá fora o som da matraca, trac-trac-trac, vigiava severamente as crianças.
E não fosse o silêncio e não fosse a matraca e não fosse o milagre dos ovos que chegavam e o pequeno sacrifício de apenas observá-los dentro da cristaleira, as crianças provavelmente jamais lembrariam do sublime milagre de um Deus que todos os dias oferece-se em sacrifício.
Até que a matraca cessa.
Até que se acendem as velas na igreja escura.
Até que o coral entoa Aleluias.
E mamãe entrega a chave ao menino mais velho. E abre-se a porta.
-Aleluia! Nosso Senhor ressuscitou!- uma a uma, as crianças repetem a frase cuidadosamente ensinada pelo pai.
-Verdadeiramente ressuscitou!- responde o menino mais velho, uma, duas, três vezes, entregando os ovos aos irmãos, orgulhoso de sua responsabilidade.
E aquela cristaleira, vazia como o sepulcro de Nosso Senhor ressuscitado ensinava às criancinhas a verdadeira alegria da Páscoa.
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