As crianças passavam a Semana Santa observando o movimento dos ovos que chegavam. Era a mãe, vinda do supermercado, a sacola cheia de ovos de chocolates. O pai que trazia e levava caixas de bombons para o trabalho. A madrinha que aparecia, depois de tanto tempo, com um beijo e um chocolate para cada um. E vovó com os coelhinhos. E tios e primos e amigos e chocolates.
E a grande cristaleira de madeira, no meio da sala, cada vez maior e mais gorda.
As crianças esqueciam dos brinquedos e sentavam-se diante dela. Acompanhavam, maravilhados, o milagre dos chocolates que chegavam continuamente.
-Um, dois, três...
-Tem mais um aqui.
-Mamãe pôs mais um hj à tarde.
E contavam e recontavam chocolates. A chave guardada no bolso da mãe, os olhinhos doces implorando em silêncio.
Não tinham permissão para provar nem unzinho antes da Páscoa. Na Semana Santa não havia cristão que convencesse mamãe a liberar chocolates. Não, meus filhos! Jesus morreu na Cruz por nós!
E as crianças observavam a enorme cristaleira no meio da sala e perguntavam-se pq é q Jesus foi morrer justo na semana em que chegavam os chocolates. Lá fora, o som da matraca, trac-trac-trac, vigiava severamente as crianças.
E se não fosse o silêncio e se não fosse a matraca e se não fosse o milagre dos ovos que chegavam e o pequeno sacrifício de apenas observá-los dentro da cristaleira, as crianças provavelmente jamais lembrariam do sublime milagre de um Deus que, todos os dias, oferece-se em sacrifício.
Até que a matraca cessa.
Até que se acendem as velas na igreja escura.
Até que o coral entoa Aleluias.
E mamãe entrega a chave ao menino mais velho. E abre-se a porta.
-Aleluia! Nosso Senhor ressuscitou!- uma a uma, as crianças repetem a frase cuidadosamente ensinada pelo pai.
-Verdadeiramente ressuscitou!- responde o menino mais velho, uma, duas, três vezes, entregando os ovos aos irmãos, orgulhoso de sua responsabilidade.
E aquela cristaleira, vazia como o sepulcro de Nosso Senhor ressuscitado, ensinava às criancinhas a verdadeira alegria da Páscoa.
5 comentários:
Eu gostei especialmente da esperteza do Coelhinho. Veja bem: ele não tinha onde guardar ou esconder aqueles ovos todos porque nem tinha a chave da cristaleira. Além disso, entregando uns na casa da tia, outros na casa dos primos, etc, não precisou correr por aí com uma cesta muito grande. Pôde fazer várias viagens tranquilas com cestinhas menores e mais leves. :)
:)
Coelhinho não apareceu aqui em casa. Acho que avisaram a ele que eu estou de dieta (ou deveria estar).
Bjos a todos!
Ou melhor... Um xero!
Depois dos contos de Natal de Dickens, que tal um novo gênero: contos de Páscoa da Clarinha? =)
Falando sério, achei o texto muito bom. A liturgia desses dias acabou por me emocionar, novamente! E fiquei com vontade de comer um pouco mais de chocolate aqui hehehe.
Aqui em casa apenas encontrei umas bolinhas pretas pequininhas perto do portão de entrada... Acho que não eram de chocolate...
Muito bom, Clara!
Não sei bem o porquê, mas lembrei muito da minha infância e tb da de vcs, meus filhos!
Te amo muito,
Bjs
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