sábado, 14 de maio de 2005


E desce a cortina escura e aveludada sobre o palco do céu.

Quem perfurou toda a cortina
para que o dia pudesse nos observar lá de trás?

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Estava aqui pensando, como costumo fazer. Meu Pensar passa por evoluções, revoluções e até involuções de difícil compreensão. Comecei pensando apenas com meus botões até notar que poucas das minhas roupas têm botões. "Que coisa lamentável", pensei (de novo). "Então estou sempre pensando sozinha?" "E se é meu Pensar quem mais fala, e ele pensa e fala sozinho, toda a minha vida tem sido um patético monólogo! Tudo bem..."pensei, depois de pensar um pouco mais. Estava apenas pensando comigo mesma, o que não é pouca coisa. Tenho sido, há mais de 20 anos, minha mais fiel companhia... Ainda que não seja a melhor, aprendi neste tempo a conviver quase pacificamente com ela. (Ela? Ela quem? Ah, sim... Ela!)
Isso não acontece sempre assim. Penso de maneiras estranhas. Pergunto-me se é assim, neste mesmo correr alucinado que pensam todas as pessoas. Como é que meus sempre presentes leitores costumam pensar?
Dia desses peguei meu Pensar pensando sozinho, sem sequer dividir suas palavras comigo. Aborrecida com o tal pensamento rebelde, percebi que - talvez para desculpar-se - ele pôs-se a conversar com um personagem de literatura. Foi quando me dei conta que ele faz isso desde que comecei a ler: sempre conversou com meus personagens preferidos - e às vezes, com os mais odiados também. Com o passar do tempo, começaram a acontecer revoluções no bate-papo do meu pensar. Vez ou outra, me descobri conversando com amigos que não vejo há muito tempo. Meu Pensamento já montou diálogos bobos, românticos e até brigas. Com interlocutores de diferentes espécies: amigos, inimigos, meros conhecidos e muitos, muitos personagens. Foi num diálogo desses, com um interlocutor dessa última categoria, que conquistei meu primeiro namorado, um personagem do qual, ainda hoje sinto saudades...
De um tempo para cá, meus interlocutores têm sido sempre de uma mesma espécie, muito evoluida: amigos virtuais que, muitas vezes, sequer sabem que existo. Meu Pensamento é capaz de interessar-se por um outro Pensamento no Orkut, para pouco depois manter altos papos com o recém-conhecido. O pior, é que, na maioria das vezes, os pensamentos - o meu e o do desconhecido - são capazes de discutir e quase brigar! Já disse ao meu Pensamento que isso não é muito civilizado, mas ele parece não querer entender...
O mais intrigante: ao contrário do que poderia parecer, meus interlocutores não são pura e simplesmente criação do meu Pensamento. Eles têm maneiras, gestos, opiniões e falares próprios. Não tenho o menor domínio sobre o que pensam ou falam meus interlocutores de pensar. Às vezes, surpreendem-me com idéias que nunca haviam passado aqui, de outras, falam coisas que chegam a deixar-me envergonhada... "Psiu, Pensamento!" sussurro para que somente ele me ouça. "Vá falar este tipo de coisa em sua própria casa, aqui não!"
E nesse pensar maluco, cheguei à conclusão de que meu Pensamento sabe virar-se bem, mesmo sem botões. (Que conclusão grandiosa!) Sim, é uma relação estranha, essa minha entre meu Pensamento e os alheios. Nem sei o que pensar dela...